Gn 23,1-20 – rodapé da Bíblia Ave Maria
A ambiência de toda a narração sobre Abraão é o país de Canaã, terra na qual foram erigidos altares, realizados ritos, que incluem a invocação do nome de Deus. Foi também em Canaã que Abraão foi convidado pelo mesmo Deus a lançar um olhar de norte a sul do oriente ao ocidente, como uma maneira de “possuir” o território. Entretanto, apesar de tudo isso, nada ainda tinha sido dito sobre Abraão ter alguma propriedade cananeia. Agora sim, a morte de Sara obriga o patriarca a oficializar, mediante um negócio estritamente legal, a compra de um pedaço de terra para sepultar os resto mortais de sua esposa. Era sinal de maldição não ter nem mesmo um lugar onde não pudessem repousar os restos mortais de uma pessoa. O texto deixa transparecer com clareza a maneira oriental de realizar os negócios de compra e venda, assim como o lugar: na porta da cidade. Reforça-se, além disso, o caráter estrangeiro de Abraão e de sua atitude de adequar-se aos usos e costumes do lugar. A compra do campo, no qual existe uma gruta, realiza-se com vista à própria sepultura do patriarca (Gn 25,9s) e outros mais de sua descendência: Isaac (Gn 35,29), Rebeca, Lia (Gn 49,31) e Jacó (Gn 50,13). Esse negócio de Abraão poderia antecipar de certa maneira a posterior conquista e posse do território completo de Canaã – desde de Dã até Bersabeia – que, apesar de estar “prometido”, tem de ser conquistado pela força. A tradição sobre a compra desse campo e o fato de que ali tinham sido sepultado os patriarcas e as matriarcas de Israel retoma um grande valor na época da conquista, mas muito especialmente na época da monarquia. Recorde-se que é justamente em Hebron que começam a governar os dois primeiros reis de Israel, ao lado dos antepassados, até que Davi conquiste Jerusalém e a transforme no centro administrativo, religioso e, finalmente, cidade de Deus e capital do reino. O sepulcro dos patriarcas e das matriarcas foi até o século passado um lugar comum de veneração para judeus e árabes, até que começaram as lutas violentas de reivindicação de um e outro povo do direito de honrar ali seus antepassados. Desde então, e contra toda lógica, cada ramo semita tem em Hebron grandes túmulos vazios, é evidente, com idêntico valor para israelitas e ismaelitas.