Os Semitas

Gn 11,10-31 – rodapé da Bíblia Ave Maria

Mais uma vez, a corrente sacerdotal(P) nos apresenta uma nova genealogia. A Intenção é apresentar as origens remotas de Abraão, pai do semitas. Entende-se que se trata de um artifício literário que não se pode tomar ao pé da letra. A finalidade da narrativa é antecipar a história de Abraão e de sua família e obedece, por tanto, à tendência da corrente sacerdotal de “dotar” de uma origem genealógica seus personagens. Ciclo patriarcal: neste ponto começam a história e as tradições do povo, tantas vezes contadas e recontadas nas assembleias e festas religiosas, tantas vezes revistas e propostas para não perder a orientação no meio dos sucessos da história. Por meio de lendas, aventuras e sagas sobre personagens antigos, muito grupos humanos, uns maiores, outros menores, forma se configurando como um povo, como uma única família procedente de um único tronco, Abraão, pai de todos. Nos momentos críticos, pelos quais passaram, esses “descendentes” se Abraão recorriam às tradições de seus pais, sua ações e aventuras em um ou outro lugar o território, suas palavras e, sobretudo, situações concretas, as quais transmitiram aquilo que moveu Abraão a sair de sua terra e se sua parentela pra estabelecer-se em Canaã: a promessa de Deus e sua benção. Pois bem, a esse início da “história” de Israel faltava algo, e era a “história” das origens do mundo. As circunstâncias históricas vividas por Israel no século VI a.C. puseram o país a um passo do desaparecimento, mas a tenacidade de uns poucos dirigentes religiosos conseguiu formar novamente a mentalidade e a identidade do povo. Não se agarraram apenas ao que se narravam sobro os patriarcas, mas no plano de Deus “desde o princípio”. Deste modo, a escola sacerdotal (P) consegue vários propósitos: em primeiro lugar, ampliar o horizonte histórico até as origens da própria humanidade e do mundo, afim de delimitar a história de Israel na história universal. Uma história particular na qual Deus se faz presente e fica definitivamente com esse povo especialmente escolhido e abençoado. Mas, além disso, consegue o outro propósito ressaltado aqui: proporcionam elementos que possibilitam outra leitura dessa sucessão de fatos e experiências, desse personagens e suas ações, que nos levam a compreender cada situação do passado e a enfrentar, com maior eficácia e sentido, o futuro. Isso é o que faz a escola sacerdotal sobre os primeiros 11capítulos do Gênesis. Cria recursos para ler e entender o que continua daqui para frente: a história dos patriarcas, a história da eleição do povo, de sua escravidão no Egito e de sua libertação, a travessia pelo deserto ( Êxodo – Números ), a conquista e posse da terra (Josué) e a sua evolução sociopolítica (Juízes – 2Reis). Em termos muito simples, poderíamos dizer que, com esta ferramenta o povo tinha com que julgar os fatos e seus protagonistas: quando se ajustavam ao plano divino de justiça e de vida as coisas funcionaram muito bem; mas quando se deixaram enganar pele egoísmo, pela cobiça e pela sede de poder e de dominação, a história tomava outro rumo, mesmo que não viessem imediatamente os resultados negativos. Eis aí a razão pela qual a Bíblia nunca esconde os comportamentos negativos ou contrários a vontade divina de nenhum de seus personagens, nem mesmo de figuras tão veneráveis como os patriarcas. É que todos eles, absolutamente todos, têm de passar – e todos temos de passar – por esse critério de julgamento, que é a justiça.

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